Portugal não tem condições para ser o “Silicon Valley” da Europa

O mercado bem tentou. Havia o “Braga Silicon Valley” ou o Aveiro “Silicon Valley” a reclamarem que Portugal teria todas as condições para se tornar o núcleo de desenvolvimento das tecnologias, nomeadamente do fenómeno das startups. Utopia. Ou, pelo menos, pouco, muito pouco razoável de acontecer. Esta foi a conclusão a que se chegou após uma mesa redonda que decorreu no Business Center de Aveiro.

A pergunta não podia ser mais clara: “Pode Portugal ser o Silicon Valley da Europa”? Da mesma forma, a resposta não podia ser, na verdade, mais esclarecedora. “Não.” Vamos já perceber porquê.

José Dionísio, da Primavera BSS; Gonçalo Ribeiro, da Zaask; Adriana Costa, da Incubadora de Empresas da Universidade de Aveiro; e Júlio Boga, da Clientscape, partilharam em Aveiro, num debate organizado pelo jornal Vida Económica, as suas distintas experiências e acabaram por dar razões suficientes para que a ideia fosse abandonada. Portugal não é e, pelo menos num futuro próximo, não pode pensar em ser uma espécie de Silicon Valley europeu.

Hoje somos todos empreendedores

O empreendedorismo generalizou-se. Pelo menos é a opinião de José Dionísio, co-CEO da Primavera BSS, empresa que criada por este gestor em 1993 juntamente com Jorge Batista. Após sete anos a trabalharem para uma empresa líder de mercado, os jovens profissionais acharam estarem reunidas condições para se lançarem no mercado, na altura criando uma empresa que produzia software para Windows. “Não saímos diretamente da universidade para formarmos uma empresa. Primeiro passamos pela experiência de trabalhar para outros”, disse.

Uma realidade bem distinta da atual já que, em 1993, não se falava propriamente em internacionalização ou exportação neste setor. “Recordo-me de dar entrevistas em 2002 e dizer claramente que não pensávamos ir para fora. Havia tanto para fazer em Portugal e estávamos a crescer a um ritmo de 100% que abraçar os mercados externos simplesmente não fazia sentido”.

Acontece que dois ou três anos mais tarde a internacionalização da empresa bracarense começou a ser uma realidade e, diz o executivo, “passamos a fazer daquela frase uma mentira”.

Hoje, o próprio grupo investe em startups e tem como principal desafio “fazer com que estas estruturas consigam vender. Consigam gerar a sua primeira fatura.”

Como curiosidade, o facto da primeira fatura da Primavera ter sido em janeiro de 1994, no valor de 11 contos, atuais 55 euros. “Mas no primeiro ano vendemos 20 mil contos, 100 mil euros. Hoje, acompanho a Startup Braga, por exemplo, e ando a tentar descobrir como é que algum projeto pode vender metade, um quarto ou um décimo disso no seu primeiro ano”.

Para além do mais, José Dionísio explicou que, na altura, a empresa apenas contou com o apoio da denominada Iniciativa Local de Emprego, no valor de 15 mil euros, que serviu para comprar dois computadores e as primeiras mesas e cadeiras. “Tudo isto mudou muito e as regras do jogo são claramente outras”.

E se na altura da fundação da Primavera o “normal” era os professores da faculdade servirem como uma espécie de “incubadora”, criando empresas com os alunos, José Dionísio não tem qualquer dúvida que a Primavera, hoje, ultrapassa aos 20 milhões de euros de volume de negócios consolidado precisamente… porque não foi incubada. “Tivemos a sorte de estagiar numa empresa onde aprendemos níveis de ambição, de exigência”.

Aliás, o CEO admite que não vê no empreendedorismo a vontade de passar primeiro por uma experiência profissional para depois empreender com outras condições.

Por tudo isto, Portugal ser o Silicon Valley da Europa não faz, para José Dionísio, qualquer sentido. “Somos um país de pequena dimensão, com um tecido empresarial muito frágil, com uma média de de 3,2 trabalhadores por empresa. Não peçam a um país com este tecido empresarial, com estas condições, que faça mais pela internacionalização e pela exportação porque não temos condições”.

No entanto, não deixa de reconhecer que se tem feito uma enormíssima evolução no que é o empreendedorismo e no que são as condições de facilitação a quem quer empreender. O que também nem sempre é positivo. “Desde logo pela quase isenção do capital social da empresa. Se podemos criar uma empresa com um euro, gostava de saber com que dinheiro compram a primeira caneta. Não sei, deve ser já com suprimento. Não consigo perceber essa lógica”.

Um facilitismo que José Dionísio acredita gerar uma percentagem de fracasso que “também me parece ser relativamente bem aceite. Parece que falhar é bom. E eu não consigo aceitar esse discurso. Quem diz isso não sabe e não sentiu o que é falhar. Falhar é horrível, até socialmente, mexe com as famílias, com as pessoas. Não estamos na vida para falhar”.

Falta muito para almejarmos esse título

A Zaask já nasceu numa altura radicalmente diferente da Primavera. E por isso, Gonçalo Ribeiro admite que a pergunta “Pode Portugal ser o Silicon Valley da Europa” faz todo o sentido. Agora a resposta… “Faz sentido pelo boom que tem vindo a acontecer desde a última crise e uma esperança materializada na criação de startups.”

Gonçalo Ribeiro admite o elevado índice de fracasso dos projetos, tendo-se “adotado quase o espírito da lei da probabilidade: quantas mais se criarem mais ficam de pé. Mas creio que isto trouxe positivismo”.

O responsável diz ainda que ao haver mais empresas, fracassem ou não, há mais conhecimento. E há que aproveitar isso, afirma. “O Web Summit é exemplo que estamos a crescer e no sentido positivo. Que estamos a crescer de uma forma rápida, obviamente com tudo o que de positivo, e obviamente negativo, isso aporta”.

No entanto, Gonçalo Ribeiro diz que falta efetivamente muita coisa a Portugal para poder reclamar tal título. Até porque Silicon Valley é mais do um núcleo de empresas de base tecnológica. É, segundo este responsável, um ecossistema em que há uma partilha de conhecimento. “O mau do fracasso é deixar o conhecimento morrer. Mas o lado positivo é que quando fracassamos obrigamo-nos a estudar ainda mais.”

Neste momento, a Zaask tem já presença em Portugal e Espanha e serve de plataforma de conhecimento para outros projetos que queiram avançar para aquele mercado. “Podemos dar o nosso contributo, há coisas que fizemos mal e podemos dar a nossa opinião. Creio que a adaptação de Silicon Valley a Portugal teria de passar por haver um bom e maior ecossistema.”

O responsável diz mesmo que não é um edifício com seis startups e outro com 15 que vai marcar a diferença. “Não é assim que na minha opinião podemos vingar. Temos muitas e boas startups, assim como muitos empreendedores. Se eles de facto partilharem conhecimento e houver um ecossistema verdadeiro de empresas portuguesas acredito que possamos ser o nosso próprio Silicon Valley porque temos todas as condições”.

No entanto, também considera complicado ostentarmos este título.

Transformar conhecimento em valor económico

Adriana Costa, diretora da Incubadora de Empresas da Universidade de Aveiro, corrobora a opinião de Gonçalo Ribeiro no que diz respeito a esta necessidade de criação e ampliação de um ecossistema. “Todos nos apercebemos da forma como o ecossistema tem evoluído e que há muitas medidas e muita coisa em cima da mesa para que ele evolua nos próximos anos. A Incubadora de Empresas tem 20 anos, mas cuja realidade dos últimos cinco é completamente distinta. E é verdade que a Incubadora, nos primeiros 10 anos, bebia um pouco de empreendedores como o caso da Primavera, mas desde 2010 as coisas têm mudado”.

No entanto, Adriana Costa admite que apenas nos últimos anos os Business Angels têm tido alguma intervenção. “Temos realmente alguns empreendedores que primeiro passaram pelo mercado de trabalho, trabalhando cinco, seis, sete anos em grandes empresas, mas que depois se resolveram lançar sozinhos.”

Adriana Costa enfatizou os benefícios do corelacionamento entre empreendedores e o que a partilha de conhecimentos e experiências de vida pode aportar aos negócios. Relativamente à questão dos maus processos, que a Incubadora acompanha todos os dias, e que são críticos, Adriana Costa diz ter implementado um Programa de Incubação, para além de terem disponíveis alguns serviços. “Fazemos um acompanhamento e uma gestão operacional de todos os empreendedores, quer os internos, quer os externos. Vivemos um pouco o dia-a-dia deles. E há realmente alturas muito difíceis e claramente nem tudo são casos de sucesso. Às vezes quase admito precisar de um psicólogo que venha ajudar nesta temática porque nem sabemos muito bem como reagir com aqueles empreendedores”.

Questionada sobre se, hoje, se facilita demasiado a “vida” aos empreendedores, Adriana Costa diz que sim, que por vezes há alguma dose extra de facilitismo, mas que o mercado também não é, ou está, propriamente fácil. “Fazemos com que eles tentem sempre entrar em contacto com empresários que já estejam naquela área para que não vão sozinhos e desta forma possam adquirir experiência quer das empresas da região quer de parceiros para os quais os direcionamos. Aliás, esse é o grande objetivo da Incubadora da Universidade de Aveiro: fazer alguma ligação às empresas e transformar conhecimento em valor económico”.

Mas, como ilustrou Adriana Costa, há sempre um sonho. “E o sonho por vezes simplesmente não corre bem”. A diretora diz que há muitos mais projetos e tecnologias que poderiam ir para o mercado, mas acabam por não chegar à Incubadora. “Há todo um trabalho que está a ser desenvolvido e uma estratégia que está a ser definida para que estas tecnologias saiam dos laboratórios e possam, com o apoio das incubadoras e do ecossistema, ir para o mercado. Temos grandes empresas que estão construídas tendo como base tecnologias desenvolvidas no âmbito da investigação”.

Capital alavanca oportunidades

Júlio Boga, da Clientscape, confessa que a experiência desta empresa tem sido muito positiva, assumindo que as pessoas com as quais tem lidado ao longo dos últimos três anos sempre tiveram como grande objetivo alavancar a visão da Clientscape do ponto de vista da oferta. Aliás, Júlio Boga diz mesmo que houve uma forte ajuda do ponto de vista de “mentoring”, na definição de ideias e até esclarecimento sobre qual o melhor plano de negócio para atacar os mercados que a empresa entendia serem os mais interessantes.

Claro que depois há que ir na “moda”. E isso passa por tentar perceber “onde podemos ir buscar dinheiro para alavancar rapidamente, do ponto de vista de capital intensivo, competências internas que não temos e temos de ir comprar. “Seja tecnologia seja recursos humanos, para alavancarmos algumas áreas crítica da nossa solução. Por outro lado, procuramos ainda pessoas ou entidades nos possam ajudar a transportar esta mensagem o mais rápido possível aos mercados onde queremos atuar”.

E tem corrido bem, diz Júlio Boga. A empresa participou em dois programas de aceleração, o que “ajudou imenso”.

“Ficamos no terceiro lugar do Beta-i, o que nos deu alguma visibilidade e nos permitiu fazer um roadmap por São Paulo, Nova Iorque e Londres. Nessa experiência, conseguimos ganhar a visibilidade que procurávamos e o que nos proporcionou, em 2013, que fossemos alvo de um investimento. Participamos ainda no programa de aceleração da Deloitte.

Um programa que face às necessidades internas da consultora procura saber no mercado que oferta existe do ponto de vista de startups e que de alguma forma pode acelerar por a resolução de problemas internos. “Aí tivemos um imenso sucesso pelo que o nosso produto faz parte do ‘scope’ da Deloitte. Em 2016, no mesmo contexto, mas com a Microsoft”.

Desse ponto de vista, Júlio Boga diz que o caminho é relativamente facilitado desde que a oferta, o produto ou o serviço, faça sentido e do ponto de vista de gestão quem dá a cara e quem tem a visão consiga fazer passar essa mensagem.

“Portugal é extremamente pequeno para ficar pelo mercado nacional, sobretudo no contexto de desenvolvimento de uma solução digital. Quando estamos a fazer uma exportação estamos a vender mais um produto que acaba por ter as mesmas dificuldades que qualquer outro produto ou serviço tem com a marca Portugal”.

Para Júlio Boga, de todo Portugal tem condições para ser um Silicon Valley da Europa. “Existe Londres e Berlim e países como a Estónia que têm tido muito sucesso nesta área”.

Depois, a capacidade de retenção de talentos e capacidade de atração de talentos externos é fraco. “Vivemos com políticas de emprego que o mercado vê como questionáveis. Não conseguimos reter os nossos talentos e não conseguimos trazê-los de fora para dentro porque ou simplesmente não os conseguimos atrair ou são tão caros que se inviável e pouco competitivo”.

Por outro lado, a experiência desse tal ecossistema, segundo Júlio Boga, é ainda parca.

Mas a última mensagem acaba por ser de esperança. Até porque vem aí o Web Summit que poderá catapultar o nome de Portugal e dos projetos portugueses para terrenos nunca antes desbravados. Resta saber se teremos a capacidade de abraçar todas estas (potenciais) oportunidades.