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Como a internet transformou a Cornualha num pólo de inovação

De uma área tradicionalmente rural a uma zona onde a tecnologia tem vindo a crescer de ano para ano: é esta a realidade da Cornualha, no sudoeste de Inglaterra. Para além de vantagens mais competitivas para a fixação das empresas, como as rendas muito mais baixas do que em Londres, as mudanças na zona estão a ser fortemente impulsionadas pela ligação à internet de última geração, o projeto Superfast Cornwall.

O investimento na rede de fibra ótica começou em 2010, com fundos da União Europeia e gestão das autoridades locais, com um valor total que ronda os 132 milhões de libras, algo como 180 milhões de euros. Até junho de 2015, cerca de 95 por cento das casas e negócios na Cornualha e Ilhas Scilly estarão conectadas através desta rede.

Graças a isso, nos últimos anos, a zona da Cornualha tem vindo a conseguir fixar um número cada vez maior de empresas ligadas aos setores da tecnologia e inovação. A B!t foi conhecer algumas das empresas que atualmente trabalham na região.

Centros de Inovação

Até há alguns anos, as Universidades da Cornualha eram conhecidas pela sua oferta nas áreas de Belas Artes, mesmo existindo cursos mais direcionados para a tecnologia. No entanto, esta ideia tem vindo a alterar-se num passado recente. Integrados nos campus das Universidades da zona, com gestão da Universidade de Plymouth, surgiram dois centros de inovação , cujo principal propósito é acolher empresas a preços muito mais suportáveis, ao mesmo tempo em que é prestado apoio aos negócios. O Tremough Innovation Centre (TIC) e o Pool Innovation Centre (PIC) são conhecidos como edifícios gémeos, em que a troca de ideias entre “vizinhos” de negócio é encorajada, assim como a convivência peer-to-peer e os momentos de networking.

No caso do TIC, o edifício de três pisos, inaugurado em julho de 2010, localiza-se no Campus da Universidade de Tremough. A ideia é que seja possível aproveitar a sinergia criada na comunidade académica e até fomentadas as ligações entre as empresas: se existe dentro do mesmo edifício quem possa desenvolver um site para a empresa X, por que não aproveitar essa proximidade?

 

Neste centro, a taxa de ocupação das salas ronda, atualmente, os 70 por cento, de acordo com dados divulgados pela organização. O edifício foi dividido em salas, contando com 68 unidades que vão dos 12 aos 62 metros quadrados, preparadas para receber empresas de várias dimensões.

Sendo um edifício recente, o TIC tem em conta as preocupações ambientais: as salas foram equipadas com sensores, que permitem fazer uma gestão mais eficiente da renovação de ar dentro do espaço. Para além disso, é também tido em conta o estado do tempo: se existe maior quantidade de luz natural, o sistema adapta-se, para que a poupança energética seja maior. No caso do Pool Innovation Centre é usada menos 60 por cento da energia que seria usada num edifício de escritórios convencional, graças a ventilação natural do edifício e a uma caldeira de biomassa.

De acordo com os dados revelados por um inquérito feito às empresas presentes no TIC em 2014, levado a cabo pela gestão do centro, o crescimento do número de clientes foi de 70 por cento, com a criação de 78,8 postos de trabalho, entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2014.

Os resultados também se revelam positivos no Pool Innovation Centre, que contou com um investimento de nove milhões de libras (cerca de 12 milhões de euros) do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.

Com 46 espaços no edifício, onde atualmente existem 40 negócios em atividade, as empresas apontam como principais vantagens a possibilidade de conseguir estabelecer relações de colaboração com instituições de ensino superior, devido à proximidade espacial. Para além disso, apontam igualmente a vantagem de poderem estabelecer ligações com outros clientes do edifício, a maioria através de conversas de corredor ou de encontros informais na cozinha dos centros de inovação.

As empresas presentes no TIC tocam em vários pontos das tendências tecnológicas dos últimos anos, desde reconhecimento facial para otimização de serviços, CGI (Computer-generated Imagery ou imagens geradas por computador, em português) e animação ou a tecnologia no setor da saúde.

O fenómeno do crowdfunding

À partida, todos os negócios e empresas começam com uma ideia – idealmente, uma boa ideia. Mas, em grande parte dos casos, não é só isso que basta, é também preciso uma boa dose de dinheiro e financiamento. No mundo da tecnologia, há muitas empresas que têm adotado a modalidade de se financiarem através de crowdfunding, as empresas da Cornualha também não fogem deste cenário.

O crowdfunding não é um assunto totalmente novo no mundo da tecnologia. Sites como o Kickstarter ou o Indiegogo trouxeram para a ribalta a possibilidade de financiamento coletivo, mediante um sistema de recompensas, por exemplo, tendo sido vários os projetos da área de tecnologia que já recorreram a esta forma de financiamento. O caso mais recente e bem-sucedido de uma campanha do Kickstarter é o smartwatch Pebble Time – que angariou cerca de 20 milhões de dólares numa campanha.

A maior plataforma de crowdfunding do Reino Unido chama-se Crowdfunder, tem a vantagem de ter um escritório virado para o mar e uma boa quantidade de prachas de surf arrumadas no escritório, para permitir pausas criativas aos trabalhadores.

Conta com mais de 150 mil crowdfunders e já conseguiu angariar mais de quatro milhões de libras, algo como 5,46 milhões de euros. Phil Geraghty, diretor executivo da empresa, reconhece que o crescimento deste tipo de projetos é extraordinário, tal como mostram as percentagens – as análises divulgadas pela empresa mostram que o crescimento da Crowdfunder é de 400 por cento ao ano.

Mas, afinal, o que é que leva as pessoas a investirem nos projetos a partir de crowdfunding? Para Phil Geraghty, “as pessoas investem em coisas que conhecem, em projetos em que acreditam”. Por isso mesmo, a Crowdfunder faz uma seleção dos projetos nos quais as pessoas poderão investir. Nas palavras do responsável da plataforma, é possível perceber à partida quais os projetos que vão vingar e aqueles que não chegarão a ter sucesso. Como exemplo, afirma que as pessoas não querem investir em projetos só para benefício próprio – afinal, quem é que estaria disposto a financiar as próximas férias de alguém que não conhece?

Atualmente, um dos projetos mais ambiciosos, de acordo com a visão da Crowdfunder, é o The Wave Bristol, um projeto que tem tanto de ambicioso quanto de possível, pelo menos tendo em conta a quantidade de dinheiro recolhido. A visão deste projeto é conseguir ter um lago, em Bristol, onde seja possível a prática de surf, tendo também em conta a sustentatibilidade do projeto. Em 28 dias, já tinham sido recolhidas 219 mil libras, ultrapassando largamente o objetivo. Depois disso, e em apenas um ano, o projeto conseguiu o apoio de alguns dos principais meios de comunicação britânicos, como é o caso do The Sunday Times ou a BBC News.

Por agora, não pensam na expansão internacional, embora seja algo que esteja nos planos. A plataforma já conta com parceiros como a Virgin Start Up, o banco Santander ou a seguradora AXA.

Software na praia

Umas das ideias defendidas que é comum às várias empresas da região é que já não é preciso estar em grandes cidades – como Londres – para conseguir fazer negócio. Com um aeroporto regional na zona e voos domésticos diários de Newquay para Londres, é possível chegar à capital em cerca de uma hora.

Nos últimos anos, as empresas de software têm vindo a crescer exponencialmente, conseguindo negócios com grandes empresas. É o caso da Headforwards e da Bluefruit Software.

No caso da Headforwards, defende-se fortemente a ideia de que as empresas podem ser globais, basta que exista uma ligação à internet. A empresa presta serviços de outsourcing para desenvolvimento de software, reconhecendo que a ideia de que a produção de software tem obrigatoriamente de ser feita na Índia tem vindo a cair por terra.

Para Toby Parkins, diretor da Headforwards, é mais importante perceber que “produzir software também é uma questão de perceber o mercado.” Daí a importância do método Agile na produção de software, que permite que sejam feitas várias fases de teste e avaliação, para perceber de que forma podem ser acrescentadas mais funcionalidades ao software ou pura e simplesmente perceber o que é que resulta. “Se não se usar Agile, está-se a ficar para trás no tempo”, diz o empresário.

A empresa congratula-se por já ter conseguido atrair alguns dos seus trabalhadores para a região, tendo até ajudado alguns a encontrar casa ou escolas para os filhos. Mas a verdade é que, até chegar a essa fase, é preciso passar pelo recrutamento de trabalhadores.

Na área das TI, o maior problema das empresas continua a ser o recrutamento e a procura de competências que vão ao encontro das necessidades das empresas. Para tentar lidar com essas dificuldades, a empresa tem vindo a investir na presença digital, em plataformas como o LinkedIn, Google Adwords, Facebook ou Twitter.

Também a Bluefruit Software, especialista em software incorporado, tem vindo a desenvolver estratégias de recrutamento, para tentar colmatar a escassez de trabalhadores qualificados na área. Na realidade, uma fatia considerável de empresas já aposta a formação da próxima geração de trabalhadores de TI: já existem aulas de código específicas para crianças, para que possam aprender a programar cada vez mais cedo. A Bluefruit também aposta nesta faceta, com os chamados Taster Days. Com o foco na faixa etária dos 11 aos 15 anos, é ensinado às crianças como hackear algo que conhecem bem – o jogo Minecraft. Este é um dos exemplos, mas também existe espaço para formação de adultos que queiram aprender mais sobre a área.

Um dos testes feitos na Bluefruit Software.

Mas a formação interna também não é deixada de lado: a formação peer-to-peer, ou seja, a transmissão de conhecimento entre colegas, também acontece na Bluefruit. Paul Massey, Managing Director da empresa, explicou que, quando os trabalhadores sentem que precisam de uma formação específica, é feita uma votação para saber quais os temas necessários, para que depois um dos trabalhadores sénior possa fazer uma formação.

A Bluefruit foi fundada em 2000, na Cornualha. Produz software com propósitos específicos, que podem ir desde as bicicletas inteligentes até dispositivos para purificar água. A empresa beneficiou da tendência da Internet das Coisas, em que os dispositivos se têm vindo a tornar cada vez mais inteligentes. Para além disso, o facto de poder disponibilizar aos clientes – de um portfólio onde estão a Schneider ou a Airbus – atualizações de software, focadas na qualidade, permitiu o crescimento da empresa.

Poderá este ser o Sillicon Valley inglês?

A ambição parece, neste contexto, óbvia – que região não gostaria de ser um poço de inovação como Sillicon Valley? Com vários milhões de investimento da Comissão Europeia, a Cornualha tem vindo a conseguir dinamizar a região, pelo menos no que toca à tecnologia e infraestruturas. O programa Unlocking Potential, um projeto fundado pela União Europeia, que tem como objetivo ligar trabalhadores capacitados às empresas, tem vindo a conseguir fixar cada vez mais jovens, tentando minimizar a fuga de talento para os centros de grandes dimensões, como é o caso de Londres. O facto de existir uma sinergia entre as universidades da região e as empresas, principalmente as startups, também permite criar uma rede de contactos e de apoio entre os dois lados. No caso de alguns dos cursos, as empresas até conseguem dar o seu input sobre quais as disciplinas que deveriam ser mais aprofundadas, para responder às necessidades do mercado de trabalho.

O facto de terem uma ligação à internet de alta velocidade e uma rede de empresas que se apoiam mutuamente, para além de programas que estimulam a criatividade, podem ser as principais vantagens da Cornualha, que dá provas de que os tempos da ruralidade já ficaram no passado.

Cátia Rocha, na Cornualha

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