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ENTREVISTA DA SEMANA: Neil Harbisson é o primeiro ciborgue do mundo e ouve o espaço

Como é que pensou em colocar uma antena para “ver” as cores?

Neil Harbisson – Achei que era mais prático “ser” a tecnologia do que usar a tecnologia. A ideia era criar um órgão e não uma ferramenta ou um wearable. Ter um órgão significa que não temos de pensar na tecnologia porque somos a tecnologia e assim podemos focar-nos na realidade e na natureza.

A antena permite captar as cores como frequência. Como foi a adaptação a esta nova realidade?

NH – A antena é agora parte do meu esqueleto e foi um processo complicado para encontrar um hospital que fizesse a cirurgia de implante. Depois foram cerca de 5 meses até me adaptar e  3 anos até conseguir distinguir todas as cores. Quando comecei a ter sonhos em cores, senti que o software e o cérebro finalmente se tornaram um só. Comecei com 6 cores, depois passei para 12, 25, 50 e fui fazendo upgrade ao meu sentido. Agora consigo sentir mais de 300 cores, muitas delas que que o olho humano não vê ou consegue distinguir, como ultravioleta e infravermelho.

E este novo sentido não interferiu com nenhum dos outros, especialmente a audição?

NH – Não porque eu não oiço as cores através dos ouvidos mas sinto as cores através de vibrações na minha cabeça, que se transformam num som interior e é muito diferente. É um novo sentido diferente dos outros que tenho.

O Eyeborg tem ligação à internet e referiu que há cinco amigos que lhe podem enviar cores de todo o mundo mas que também está ligado à Estação Espacial Internacional (ISS). Como é ouvir o espaço?

NH – Eu posso conectar-me ao “livestream” da ISS. Digo que sou um sensastronauta, dado que exploro o espaço enviando os meus sentidos para lá. É fantástico e muito profundo. As pessoas pensam que o espaço é negro mas é cheio de cores invisíveis.

Esta é uma ótima forma de explorar o que há para lá da Terra e no futuro, vamos poder enviar uma impressora 3D a Marte, imprimir o nosso DNA para criar um segundo corpo e depois conectarmo-nos a ele online. Isto vai ser especial porque vamos poder estar em outro planeta sem necessidade de fazer fisicamente a viagem.

A antena tem de ser carregada como qualquer outro dispositivo?

NH – Sim, a antena tem de ser carregada e por enquanto tenho um carregador com fios mas o objetivo é usar a energia do corpo para carregar a antena, por exemplo através do movimento sanguíneo nas veias. Esse será o próximo passo.

A nível de hardware, há melhorias que podem ser incluídas na antena? E a nível de software também?

NH – A minha antena pode sofrer alterações ao hardware e eu posso, por exemplo, receber chamadas telefónicas. É um parte do meu corpo que está sempre em evolução, pode estar constantemente a ser melhorada. Neste caso conforme mais velho é este orgão melhor fica, ou seja, envelhecer é bom. Já o software é diferente e serve para melhorar a minha percepção, o meu sentido das cores. Mas ambos são importantes para eu evoluir.

Falemos um pouco da Cyborg Foundation, da qual é um dos fundadores. Qual o papel da fundação e como ajuda outros ciborgues?

NH – Neste momento a pessoa que me acompanha nesta viagem é um residente na fundação que vai criar um orgão para sentir o estado do tempo, ele vai perceber quando vai chover e quando vai estar sol. Nós ajudamos todos aqueles que querem fazer uma transformação e não sabem como, ajudamos a desenvolver sentidos.

Dentro da fundação, eu ajudo a desenvolver os sentidos. A minha arte é a criação dos sentidos, é a transformação do corpo através da arte ciborgue. Desenhar a nossa perceção da realidade é uma arte.

Há algum direito que os ciborgues não tenham que considere urgente ser implementado?

NH – Sim. Este ano, no South by Southwest (SXSW), apresentámos com o Rich MacKinnon, a Declaração de Direitos dos Ciborgues. São 5 direitos que julgamos imprescindíveis: o direito a projetar-se, a desenhar-se a si próprio; sermos donos dos nossos novos orgãos e sentidos, ou seja, que os mesmos não sejam de terceiros. Não são as empresas que são detentoras dos orgãos mas a pessoa que tem o orgão implementado; proteção sobre quem é que pode aceder ao nosso corpo. Quando estamos ligados à internet, o nosso corpo pode ser hackeado fisicamente, ou seja, estranhos podem entrar no nosso corpo; o direito de o novo orgão ser considerado uma parte do corpo e não uma propriedade. Por exemplo, se a minha antena for danificada por alguém, ser considerado uma agressão física e não um dano material; e a igualdade com outros seres humanos, devemos ter os mesmos direitos, benefícios e responsabilidades que todas as pessoas.

Falou da questão dos ciborgues poderem ser hackeados. Visto que a sua antena está ligada à internet, já alguma vez foi vítima de um ciberataque?

NH – Sim mas foi só uma vez. Alguém enviou uma imagem para a minha cabeça e não foi nenhuma das pessoas que podem comunicar comigo. Não foi uma má experiência mas poderia ter sido e como tal, esse foi um dos direitos que pedimos no SXSW.

Acha que a percepção das pessoas está a mudar em relação à realidade ciborgue? Ainda há um longo caminho a percorrer?

NH – As coisas estão a mudar mas lentamente, ainda é muito difícil explicar que não estou a usar uma antena mas sim que eu tenho uma antena embutida em mim. As mudanças estão a começar a acontecer e quanto mais pessoas tiveram novas partes no seu corpo mais normal será para todos os ciborgues, mais fácil será “ser” tecnologia.

 

 

Mafalda Freire

Colaboradora da B!T, escreve sobre TI e faz ensaios. Esteve ligada à área de e-commerce durante vários anos e é fã de tecnologia, do Star Wars e de automóveis.

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